segunda-feira, 18 de junho de 2018

Senso crítico

Começaram os delírios e deslumbramentos com o início da Copa do Mundo. Ainda um pouco tímido, os torcedores brasileiros revisitaram as bandeiras passadas, enfeitando janelas e sacadas dos apartamentos e casas pelas ruas afora. De quebra, estamos todos sorrindo por conta dos tropeços da Argentina e Alemanha, a quem já decidimos torcer contra.
Não há problema em estampar esse patriotismo de ocasião, penso. Mas não se pode perder o senso crítico, justificado por alguns pares de jogos, que bem sabemos vale bem pouco para todos nós.
Hoje, o futebol virou uma espécie de alento para as nossas mazelas. A política vai mal, mas tem jogo no domingo; a economia está que é só tristeza, mas aquele jogador bonitinho faz um gol fenomenal; vivemos penúria de miséria, mas nosso time está em primeiro na tabela... e por aí vai. Em tempos de Copa do Mundo, a coisa ganha uma dimensão mais especial: a programação da televisão vira uma bela lavagem cerebral; as propagandas ganham tons emocionais de filmes épicos; todas as notícias que interessariam um debate fica para quarto plano...
Daí que o senso crítico é o verdadeiro exercício de representação da consciência de cidadania. Não podemos nos abster de conhecer os percalços por que estamos passando, causados pelos problemas mais adversos. Da própria Copa do Mundo, cuja última edição foi realizada em nossas terras, vêm ilustrações nada agradáveis: grande parte das obras idealizadas para a Copa de 2014, que seriam benefícios para os cidadãos, não chegou a ser concluída; temos notícia,  hoje, de tudo o quanto de dinheiro foi desviado por conta das mesmas obras que não foram realizadas, enriquecendo mais ainda aquele povo que se locupleta das corrupções. Além disso, já estamos assolados por um cenário nada agradável, com todas as notícias que nos chega, nos últimos tempos, de sujeiras e lamas as mais diversas - quase todas envolvendo cifras inimagináveis de corrupção e desvios; nossos sistemas político e judiciário estão desacreditados, deixando-nos sem muita visão positiva de perspectiva; nossos resultados em educação e desenvolvimento humano não são nada bons, até em comparação com países em que não creditávamos muita referência; e em grande parte de nossas regiões, há uma insegurança muito grande por causa dos índices de violência e criminalidade.
Não há problemas, repito, em pintar rosto, ruas e paredes de verde e amarelo para, acompanhando os ritmos das propagandas de refrigerantes, cervejas, bancos e companhias de operadoras de celulares, ficarmos roucos pelos variados apelos às jogadas que a televisão nos mostrarem à exaustão. É preciso, apenas, incluir nesse roteiro o exercício pleno de consciência a que devemos nos apoiar em nossos movimentos do cotidiano... Pensemos, nesse sentido, que em meados do mês que vem, tudo isso acaba e precisamos retomar nossa história real, independente de quem quer que tenha levantado a taça.
Eis aqui, penso, um pouco do microcosmo que representa os nossos processos de desenvolvimento pessoal. Nossa história real precisa ser, constantemente, confrontada, para alcançar os rumos que queremos tomar. Independente dos cantos da sereia que estarão nos distraindo sempre, fazendo-nos ver beleza onde ela não existe.


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