Em tempos de renovados avanços tecnológicos, em que os brinquedos brincam sozinhos, penso que cabe uma reflexão sobre esse binômio instigante: o brinquedo e a brincadeira.
Observando crianças a brincarem, na entrega do momento, tenho percebido que pouca importância tem o brinquedo em si, já que a mudança, a transformação da brincadeira é uma constante. Entretanto é quase constante também a necessidade de um objeto (o brinquedo) para desencadear a brincadeira.
Essa oposição me faz crer que a coisa não é tão simples assim. Antes de tentar mensurar uma importância maior para um ou para outro, a análise do brinquedo e da brincadeira merece uma melhor e mais elaborada investigação.
O brinquedo, aqui pensado como o material concreto em torno do qual se realiza a brincadeira, ganhou uma conotação comercial e sofisticada. É muito comum, nos dias atuais, os já famosos carrinhos e bonecas, clássicos brinquedos de crianças, aparecerem fazendo referências a esta ou aquela apresentadora ou celebridade de TV ou assemelharem-se a filmes hollywoodianos, para que os pequenos brincantes sintam-se um pouco parecidos com os heróis ou estrelas que desfilam na tela seus super poderes ou suas vaidades. Não sou um cientista do assunto, mas parece-me que as crianças ao brincarem com esses brinquedos deixam de exercitar a criatividade e a fantasia, na medida em que apenas copiam e/ou repetem movimentos pré determinados, ou, pior ainda, ficam simplesmente observando as desenvolturas do “brinquedo”.
O jornal “Folha de São Paulo”, em reportagem antiga, divulgou uma pesquisa, apoiada em estudos neurológicos, que concluiu: “brincar é fundamental para o desenvolvimento humano”. No corpo da reportagem, vamos nos defrontar com o conceito interessante de sinapse, segundo o qual quanto mais a criança brinca, mais são formadas novas sinapses (conexões) no cérebro, a serem utilizadas quando forem necessárias “para atividades que exijam certo tipo de movimento”. Esse conceito de sinapse, se é que entendi, não condena o que expus acima sobre a cópia dos movimentos, mas mesmo assim ainda fico ressabiado sobre a ideia do brinquedo que brinca sozinho.
Quando a criança pega um daqueles carrinhos em que basta por algumas pilhas, apertar um botãozinho e lá vai o brinquedo, todos acham bonito. O carrinho muda de direção, dá umas cambalhotas, volta à posição normal , bate em algum obstáculo, volta, acende uma luzinha, emite um som, e por aí vai, até que alguém desligue o tal botãozinho. A pergunta que me fica, após este espetáculo, é “será que a criança brincou?”. E a resposta que me vem é a imagem de um desenho animado a que eu assistia há algum tempo, chamado “Os Anjinhos”. Não sei se você se lembra ou se viu, o desenho narrava as aventuras e desventuras de um grupo de crianças, em que a maior da turma tinha 3 anos. Num dos episódios, eles entravam num desses tubos que há em parques e o interior do tubo assumia, para cada um deles, um cenário diferente: ora era um oceano, ora uma casa, ora uma floresta, e assim por diante. Em outro episódio do mesmo programa, uma caixa de sapatos sofria o mesmo processo do interior do tubo: a cada hora virava um personagem ou um brinquedo novo. E isso para mim parecia brincadeira de verdade.
Lembrei-me de que gostava de observar minha filha brincando; esse conceito de brinquedo e brincadeira apurou minha reflexão para o assunto. Improvisávamos com um lençol uma espécie de tenda e ela ficava embaixo dessa “tenda” se divertindo a valer; como a brincadeira era tanta, era necessário batizar o brinquedo e ela deu o nome de um desses brinquedos sofisticados que aparecem na TV. Ato contínuo, a minha mente formulou a seguinte questão: “para ela, naquele momento, o brinquedo em si apenas servia como referência, para denominação. O que contava mesmo era a brincadeira”. Não posso atribuir um peso científico a essa ponderação, mas sou levado a acreditar nisso como uma questão bastante séria; claro que as crianças sempre quererão brinquedos, mas deve ficar claro, também, que há de se atribuir uma importância relevada à brincadeira.
Ponderações à parte, o que parece indiscutível mesmo é o ato de brincar. Como este meu apontamento não se pretende conclusivo sobre o tema, é terminado, aqui, com uma breve, mas contundente reflexão a partir da citação do educador francês Jean Chateau (autor de O Jogo e a Criança, Ed. Summus, l987): “Uma criança que não sabe brincar será um adulto que não saberá pensar.”