O universo infantil
está pontilhado de referências lúdicas. E não podia ser diferente: é através de
sua vivência nos jogos de representação, a que costumeiramente chamamos apenas
de brincadeira, que a criança experimenta situações, conflitos e superação de desafios,
que vão proporcionar, além do próprio prazer de brincar, o seu pleno
desenvolvimento.
É nesse ponto que se apoiam as reflexões que relacionam o
lúdico às operações pedagógicas: os sistemas em Educação podem (e devem!) ser
analisados a partir do pressuposto do estabelecimento de variáveis que promovam
exatamente o desenvolvimento do ser humano.
E é com base nessa relação que a ludicidade, já há algum
tempo, deixou de apenas circunscrever seu perímetro de estudo, unicamente, aos
aspectos do jogo e do brincar. As leituras dos referenciais lúdicos têm sido
acompanhadas, via de regra, de implicações educacionais. É no encaminhamento
das reflexões acerca do brincar como variável pedagógica que os educadores,
preocupados com dinâmicas mais significativas, vão buscar novos olhares sobre
sua prática.
Os educadores que trabalham com as crianças pequenas, de 0
a 6 anos, têm refletido muito sobre a
máxima que caracteriza o brincar como atividade em que se pressupõe uma relação
propícia ao processo de desenvolvimento integral:
sócio-afetivo-intelecto-emocional.
Na prática, é preciso estarmos atentos às possibilidades de
redimensionamento das estratégias e dos materiais que temos à mão para o
planejamento de atividades que venham contribuir, efetivamente, com essa
operacionalização.
Sob essa ótica, as atividades que relacionam o prazer de ouvir histórias com os benefícios da prática de dobrar papel podem ser altamente positivas. Ilustro, aqui, com o que pode ser pensado como um sistema: a partir
da escolha de um instrumento prático pertinente a brincadeiras (no caso, o
papel e as possibilidades de sua transformação pelo processo de dobrá-lo),
desenvolvem-se vertentes de descobertas e/ou retomadas das cantigas infantis e
das narrativas orais.
Para explicitar as possibilidades dessa atividade, pensemos em
um modelo simples de dobradura, que todos devem conhecer – a casa. É uma figura
bastante clássica. Pode-se partir de um estímulo qualquer
para motivar o grupo a fazer a dobradura, ressaltando-se o respeito às
potencialidades individuais. Com o modelo pronto, começam as brincadeiras.
Lembrando que já existe uma canção muito popular (“Era uma
casa muito engraçada...”), o educador pode conduzir a brincadeira inicial
justamente para reforçar o que há de engraçado nessa casa – não tem chão, não
tem janela etc. -, com a intenção de tornar vivos os versos da música. Se a
canção não surgir espontaneamente, nada impede de apresentá-la ao grupo,
ensinando-lhe o que diz a letra.
Particularmente, eu gosto de fazer surgir do final da música
uma história – como se uma brincadeira puxasse outra. Nesse caso, também
valoração pessoal, prefiro a história do livro A Casa Sonolenta, já que o seu
enredo permite um dinamismo que agrada muito o público infantil. Finda a
história, a brincadeira toma outros rumos, permitindo algumas escolhas:
recontar a história, inventar outra história com o tema da casa ou explorar as
possibilidades intrínsecas na dobradura da casa: enfeitá-la, usá-la como
aplicativo de colagens etc.
Assim como a casa, outras figuras de simples execução podem
ser descobertas na prática da dobradura. E o encaminhamento até pode ser o
mesmo descrito aqui; dobradura – cantiga – história – exploração após os
contos. Evidentemente, o educador que pretender refletir essa prática vai
desenvolver o seu próprio método de trabalho, valorizando este ou aquele
momento, conforme especificidades de sua turma ou das características de seu
espaço educativo.
O que deve ser ressaltado é a utilização de ferramentas,
marcadamente lúdicas, para a compreensão do processo pedagógico. A linguagem da
brincadeira, algumas vezes pejorativamente identificada com a ausência de
seriedade, mostra-se, aqui, uma variável incomensurável de estabelecimento
metodológico colaborativo no desenvolvimento da criança.
De um lado, a arte de contar histórias permite-nos adentrar
nas reflexões sobre a aplicabilidade dos contos no contexto educativo, ao
oferecerem à criança-ouvinte valores psicológicos e afetivos, presentes nas
estruturas das narrativas orais clássicas, já amplamente discutidos nos estudos
científicos a esse propósito. De outro, atividades de construção – como as
transformações feitas em folhas de papel – abrem-nos outros campos de
prospecção de estudos acerca dos princípios educativos que vão consolidar nossa
prática.
A referência maior,
aqui, da ludicidade acompanhando esse processo de tomada de consciência só
aprofunda a importância de compreender o brincar como manancial valoroso de
análise do crescimento sócio-afetivo das crianças envolvidas em atividades que
o tenham como estratégia.
A integração entre a arte de contar histórias e
as dobraduras de papel, fundamento desta explanação, prevê um mecanismo
bastante envolvente nos trabalhos positivos que se observam em Educação
Infantil: a perfeita sintonia entre brinquedo (o instrumento) e brincadeira (o
que se faz com o instrumento), como facilitadores de variáveis contributivas ao
desenvolvimento das crianças. Caberá ao educador, em nome dos ideais mais
acertados da Educação, além da constante análise de suas potencialidades, o
estudo e a adoção de métodos que corroborem essa sintonia.Esse post é uma síntese do artigo Brincando de Dobrar Papel Entre Cantigas e Contos. Para acessar o artigo na íntegra, clique aqui.
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