segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Afeição

A palavra "afeto", no dicionário, remete-nos ao significado de uma ligação em que há um sentimento amoroso envolvido. Mas não é uma questão de sentimento amoroso relacionado aos aspectos de gênero; a afeição transcende esse fator. Está mais para a alegria de estar próximo de outro ser humano, em um congraçamento fraterno.
Pensei no tema ao assistir a um documentário sobre o poeta Vinícius de Moraes, quando lá pelas tantas alguns depoentes insistem em dizer do nosso poeta maior de sua característica afetiva por todos que o rodeavam. Quem já assistiu a alguma cena, seja de show ou de filme ou de gravação em que Vinícius está lá rodeado de gente, já deve ter visto a imagem: na sua vozinha característica, o poetinha derrama sentimentos a quem quer que seja. Em raras ocasiões, é possível perceber um certo descontentamento dele. É sempre de uma afeição fora do normal que ele se dirige a quantos lhe rodearem.
Mas o que mais me chamou a atenção foi a fala de um desses convidados, no documentário. Ao dizer da questão temporal, referiu-se ao fato de o quanto Vinícius faz falta nos dias de hoje, mas que seria quase impossível imaginá-lo, na atualidade, derramando-se nesse aspecto de afetividade.
Que nos dias de hoje não há espaço para a ingenuidade de que foi constituída o poeta. Quis dizer, certamente, que vivemos tempos sombrios, em que é mais perceptível o movimento de derrubarmos uns aos outros ao de elevar-nos em laços de amizade.
Pois é, a ideia de afeição guarda estreita relação com as variáveis de ingenuidade, sim. Mas não o sentido de ingenuidade àquele de fazer-se de bobo diante das realidades. Ingenuidade, aqui, está proporcionalmente relacionada ao ato de confiar no outro... "O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino...", como diria Thiago de Mello, só para ficarmos em grandes poetas. Mas o sentido de confiança, nos dias de hoje, está balizado pela variável de o quanto se ganhará nas conveniências das relações.
Definitivamente, não tem nada a ver com o pensamento do poetinha. Vinícius estabeleceu para si o conceito mais puro de fraternidade, em que o que mais importava era a reunião alegre e benfazeja das amizades. Isso e a instância de que as ações precisavam fazer bem para o outro, elevar as almas a um espaço de felicidade tal que fosse possível enxergá-la concretamente.
Digo tudo isso não só porque gosto da obra de Vinícius, mas porque sei que, nas estradas no nosso desenvolvimento pessoal, é preciso colocar, conjuntamente com os aspectos das racionalidades, o manto nem sempre realista da poesia. É preciso reunir um muito de sentimento às tecnicidades todas que carregamos.
A evolução dos nossos caminhos será a soma de todas as nossas formações às relações de afetos e emoções que conseguirmos juntar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário