segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A vida que nos escapa

Se não tomamos cuidado, a vida pode nos escapar, inflexível, pela ponta dos dedos... Dia desses, resolvi mudar o caminho para exercitar as percepções - somos assim: fazemos o mesmo caminho para acomodar-nos nas margens de segurança. Acontece que a perspectiva de mudança de caminho, com o pretexto de aguçar sentidos e visão, revelou-se uma boa lição para mim. Escolhi o melhor ônibus; escolhi um lugar em pé mesmo (ainda que houvesse bancos disponíveis), encostado a uma daquelas janelas panorâmicas. Tudo com a boa vontade e a expectativa de olhar a paisagem e sorver novas imagens. Minha intenção era tirar nuvens cinzentas da minha cabeça, em virtude do cansaço dos dias; ao olhar novas paragens, pensei que a contemplação estética do que minha vista alcançasse trouxesse-me alento e encanto.
Quando dei por mim, estava de cabeça baixa, teclando na tela do celular, atualizando-me das notícias importantes e checando contatos e mensagens valiosas... E a vida ia se desvanecendo na automatização dos comportamentos. De repente, a janela panorâmica não me era nenhum atrativo... E as paisagens que o dia bonito me trazia sequer adentrava-me os sentidos... Imediatamente, tomei um sobressalto. E só então dei-me conta de que as mensagens não eram tão valiosas assim, nem tampouco as notícias eram importantes. Era preciso recuperar a vida que me escapava.
Ainda bem que somos feitos da matéria que pode arrepender-se e voltar atrás. Precisava mudar de atitude. Guardei, envergonhado, o aparelho celular, convicto de que não podia perder mais da vida... Modificada a atitude, fui, aí sim, aproveitar minha intenção original: observar a vida que vivia lá fora, no convite ao prazer de aguçar os sentidos. Pudessem todas as pessoas fazerem isso de vez em quando.
O aproveitar da vida que quase me escapou trouxe-me a percepção de o quanto desperdiçamos a essência do que nos é caro. Olhei pela janela, assim, com redobrado interesse e o mais dos ínfimos detalhes parecia saltar em dimensões muito maiores. Foi compensador.
Precisei perder um pouco da vida para ganhar uma melhor compreensão do viver!



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