Descobri, dia desses, o escritor português Walter Hugo Mãe,
que me apresentou um trecho inquieto de um dos seus poemas: "Do que
adianta ser pássaro quando não se tira os olhos do chão" é parte de seu
poema O desgoverno dos sonhos. Na obra o eu-lírico resgata pássaros em meio a
um cenário de desilusão de árvores caídas (essa é a minha leitura) e,
inconformado com o que vê questiona com o trecho que destaquei. De que adianta
ser pássaro se os olhos estão no chão. Há na definição de pássaro o pressuposto
de voar, de alçar alturas diante das intempéries.
Somos assim. Fomos feitos para o despropósito, como nos
versos do Manoel de Barros, mas nos acomodamos diante do que entendemos como
cansaço; fomos feitos para as grandes aventuras, mas nos contentamos com a mesquinhez
das pequenas façanhas (é mais tranquilo e consome menos energia); somos
constituídos da arquitetura das grandes realizações, mas resignamo-nos ao
custoso dia a dia.
De que adianta, então, ser pássaro? De que adianta termos a
natureza espiritual das realizações se estamos preocupados demais com as
pequenezas do cotidiano? De que adianta termos sido feitos para a evolução e
nos perdermos em retrocessos de humanidade?
Fecho os olhos por um tempo que dura o mínimo segundo de
minha tristeza e volto ao poema para alçar outro voo:
" (...) por isso persigo o pôr do sol
janelas abertas e
vacilo
lágrima, pavio de
água que acabo de
acender, arde, onde
por fim parto
já tu me esperas,
abrevias-me"
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