segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O alfabetizar


Por mais que sejamos ótimos professores, acredito que não vamos experimentar tão facilmente a emoção que se tem com o trabalho de alfabetizar as crianças... Pensem: é o desvelar do segredo do mundo letrado em que vivemos. É como iluminar os caminhos múltiplos de revelação das comunicações escritas por que vamos passar.
Imagine a professora (sim, nessa profissão, a tarefa é feminina, por excelência), depois de mais de trinta anos com essa experiência, ainda chegar com brilhos nos olhos e dizer, toda vaidosa: "Todos os meus alunos estão alfabéticos!...". E só é possível entender essa felicidade quando se tem clara a importância do que ela significa: aqueles alunos que estão alfabéticos já conseguem reconhecer as letras e juntá-las e entenderem-nas em uma leitura qualquer. A dimensão desse alcance está na constatação de que vivemos em um mundo letrado e o prestígio (também o sucesso e as conquistas) das pessoas estão diretamente proporcionais ligados à competência de traduzir e saber representar bem o código letrado (seja ele escrito, falado ou escutado). Vejam a importância da alfabetização.
E não é só. Há professoras que se dão ao luxo, ainda, de embelezar ainda mais esse trabalho, quando complementam à missão nobre sessões de pura poesia. Literalmente falando. Acrescentam ao processo de alfabetização leituras de poemas, de cantigas, de obras de artes, de brincadeiras... E entre um espaço e outro, ainda trabalham conceitos importantíssimos de vida: respeitar o outro, o senso de coletividade, de organização, de higiene e por aí vai. 
O trabalho de educar precisa ser visto com a grandiosidade que ele guarda. E, aqui, a propósito do alfabetizar, a ideia de grandiosidade extravasa as dimensões possíveis. É tudo muito imenso.
Fico, ainda, pensando, a professora revendo seus alunos depois de alguns muitos anos; aqueles alunos mirrados, sem letramento, que mal projetavam o que viria pela frente. Mas que para a professora eram sementes de alguma árvore frondosa, cujos frutos nem ela mesma saberia dizer estariam por vir. E aí, em nome da consciência dessa ideia de semente, começava a transmitir-lhes as luzes daqueles mistérios que passariam a ser conhecidos por letras. E, ao largo desse iluminar, vinham carinhos, broncas, alegrias, tristezas, reprimendas, recompensas, conversas com os pais, bilhetinhos nas agendas e por aí vai. Tangenciando tudo isso, desenhos e mais desenhos com declarações de amor as mais diversas (algumas, a professora guardaria em cadernos amarelados, que, vez ou outra, olharia para relembrar esse ou aquele aluno...). Mas o reencontro com um desses alunos seria o prêmio maior: o menino, agora um profissional de destaque, diria, quase trinta anos depois, que jamais se esquecera da importância das ações da professora... e que adora ir a museus para olhar as obras de arte, como ela incluíra nas aulas.
É certo que a professora vai chorar um pouco, na emoção que transborda o que a razão tenta calar, mas vai ter cada vez mais certeza de que, quando disser, vaidosa e feliz, que os seus alunos estão alfabéticos, estará expressando a consciência do quão importante e significativo é o seu trabalho!


(Para a Professora Maria Helena)

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