segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Sonhar

Sei que é indelicado ficar atento a conversas alheias, mas a fala de uma das meninas, que sentaram à mesma mesa em que eu estava, deixou-me inquieto. Parece que elas estavam falando sobre o sonho (desejo) de alguém, quando a mocinha disse: "Eu não tenho nenhum sonho...". Não ouvi mais nada. Eu havia acabado de escrever um dos textos que abordava, justamente, a questão do sonho... Como assim não ter nenhum sonho? Achei que tinha escutado errado. Jovem, aparentemente inteligente... como assim? E aí, ela desandou a fazer brincadeiras com a ideia de não ter sonhos... Como assim não ter sonhos algum, e ainda fazer troça disso?
Quis participar da conversa e dizer sobre desejos e busca de realizações. Dizer um pouco que a vida, para ser vivida, precisa de sonhos, de desejos...
E aí peguei-me à volta com uma das questões que mais me acometem, quando penso na ideia de desenvolvimento pessoal. Somos levados, por uma cultura da utilidade e da boa formação, a acreditarmos que a palavra "sonho" está impregnada de uma visão poética e destituída de seriedade. Parece que fomos levados a pensar na referência de sonho como algo que se destitui de responsabilidade.
Mas não é bem assim. A responsabilidade é um dos pressupostos de o quanto conseguimos lidar com as nossas obrigações. O sonho é o espaço que precede as realizações. São coisas distintas.
E é nesse espaço que precede as realizações que nascem nossas idealizações... ou, pelo menos, deveria ser. O quanto alimentamos de desejos os caminhos que perfazem as idealizações do que queremos é o que deve determinar os esforços de nossa determinação - é aqui, que os sonhos ganham contornos de seriedade e racionalidade.
O esforço de nossa determinação deverá ser diretamente proporcional a nossa quantidade de desejos, de sonhos. Foi aqui que a fala das meninas me incomodou. Ora, se não tenho sonhos, o esforço de minha determinação poderá ser zero, que não há problema algum. Mas não se concebe um caminho natural de evolução em que a determinação seja nula, uma vez que estamos, no caminho, direcionando nossa trilha para a busca da realização de algum desejo. Tenha ele o tamanho e a importância que tiver, o fato de nos levantarmos e andar ao rumo de algum objetivo (ir até a janela contemplar o horizonte ou realizar a maior empreitada possível) já implica a elaboração de um desejo, de um sonho, por assim dizer.
Quero acreditar que a fala das meninas tenha sido motivada, justamente, pelo preconceito que se tem em relação ao aspecto de sonhar - como se fosse o movimento para algo inalcançável. E que, certamente, elas, em seus movimentos mais internos, saibam que sem sonho algum não há realização alguma.

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