Somos sujeitos que estamos sendo formados, ao longo de nossa existência. A cada etapa da evolução, recebemos uma espécie de estampagem, que nos constitui como indivíduos. Essa constituição marca-nos, indelevelmente, aos olhos dos outros. Somos o que somos. Possuímos características específicas; leituras de mundo conforme nossas observações do mundo; comportamentos particulares; disponibilidades tais... e assim por diante, em uma complexa estrutura humana.
Esse o conceito de repertório, aquilo que nos constitui. É um jeito de falar, de ouvir, de expressar-se, de portar-se. E somos reconhecidos por isso. Devemos respeitar essa característica... e fazer com que sejamos respeitados, também.
Nossas formações pessoal e cultural são balizadas nas aquisições e elaborações desse repertório. Aqui, abrem-se algumas linhas de pensamento.
O processo de aquisição e de elaboração de um conhecimento qualquer não se configura no plano abstrato. Há um movimento racional do sujeito, que se deve colocar, ativamente, no trilhar daquele caminho. O comportamento deve ser o de atenção constante, pois só se adquire algo em estado de despertar, de percepção. O estado de percepção consolida-se na capacidade e competência de captar sinais que a vida nos aponta, na fundamentação do que queremos realizar. Que é o que nos dá subsídios para a escolha dos melhores caminhos. Se eu não estou atento ao meu redor para captar melhor os sinais que aquele caminho traz-me, eu não consigo escolher melhor os rumos que quero dar. Lembra-se da história da Alice, que, ao perder-se no País das Maravilhas, encontra o Gato? A Alice, pobrezinha, toda atrapalhada, pergunta ao Gato qual caminho tomar, ao que recebe o questionamento: “Onde você quer chegar?”. “Não sei ao certo”, diz a menina. “Se você não sabe onde quer chegar, qualquer caminho serve”, diz o Gato, entre sorrisos. Na leitura óbvia da ilustração, faz-se necessário e urgente saber onde se quer chegar. Vivemos quase sempre correndo e em disparada desatenção aos caminhos que nos circundam, o que nos limita a percepção do que está por perto. Em assim sendo, não há muito como escolher caminhos e destinos.
Ainda há de se acrescentar que a ideia de aquisição e de elaboração não é automática. Entre o momento de aquisição e o de elaboração há todo um esforço a ser feito. É preciso apurar o que se adquiriu - Serve? É importante? Vai trazer-me uma referência nova? É algo que colabora para o meu desenvolvimento?, e outras perguntas mais que virão. São processos da construção do conhecimento, algo de lapidação das informações que me chegam. Muito das defasagens dos nossos repertórios encontra justificativa aqui: até recebemos as informações essenciais, mas não sabemos processá-las e torná-las conhecimento; ficamos no raso das leituras. Por isso, a questão do esforço: para sair do raso e aprofundar-se nos saberes, há de se ter toda uma determinação de vencer etapas e elaborar outras percepções - às vezes, é tarefa hercúlea, que nos exige muito.
Falta dizer que a aquisição e elaboração de repertórios, além de serem constantes, são mutáveis, dependendo de fatores diversos para essa mutabilidade; além do mais são conceitos de mão dupla – o sujeito recebe e também contribui para a recepção do outro. Não há como reter o repertório e achar-se já formado - é preciso reparti-lo com outros andantes e distribuir suas variáveis de constituição.
A ideia de formação, por assim dizer, ganha um contorno de uma relação dinâmica e viva, em que os caminhos vão sendo construídos a partir da determinação de aproveitar-se, o máximo possível, daquela viagem de desenvolvimento.
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