Não
sei se você tem esse dado, mas sabia que é cada vez mais crescente, em
Educação, a falta de envolvimento com a diversidade de fatores que se
relacionam no processo pedagógico? Poucos são os que se comprometem,
integralmente, com as questões amplas e elaboradas advindas dos espaços educacionais.
No máximo, ministram-se as aulas, preenchem-se as rotinas burocráticas,
participa-se de uma ou outra reunião de pais e está muito bom.
Meu
amigo, a questão do compromisso com a Educação é coisa séria. Quando se
estabelecem princípios para nortearem a prática profissional, praticamente
consolida-se um pacto de entrega para a garantia e manutenção do que se
estabeleceu. Não pode ser uma prática do "mais ou menos".
Entretanto,
o que se vê por aí pode ser resumido a duas atitudes: desconhece-se o
estabelecimento de princípios ou até eles existem, mas com uma prática
contraditória ao que se define como base de trabalho. É o samba do educador
doido, com suas consequências negativas sobre a formação dos alunos.
Até
reconheço que, mais uma vez, há um dado cultural relevante aqui. Vivemos a
sociedade da inversão de valores. O profissional compromissado, que se esforça
para analisar criticamente suas posturas, quase sempre é alvo de insinuações
pejorativas. Se o sujeito não estiver convicto de suas crenças, vai se achar na
contramão e tenderá a afrouxar seus princípios, para não ser excluído do
círculo de amizade.
O
fenômeno da inversão de valores, no campo da moral e da ética, pode até
explicar muito do que a nossa vã filosofia não alcança, mas jamais pode
substituir a consciência do fazer bem feito. E não há aquele que, em confronto
com sua consciência, vá depois dizer que não sabia. A consciência ainda é o
fiel da balança, a lhe despertar para o que é adequado ou inadequado. É claro
que vamos esbarrar aqui em uma referência de subjetividade, na medida em que
falar de consciência pressupõe o quanto de disposição você está propenso a
investir para reformular seus propósitos. Bom, eu tenho que acreditar que há no mínimo uma vontade de escutar aquela voz
que vai ressoar aí nos seus ouvidos. Se não for assim, nem vale a pena
continuar.
Pensei
em Rilke (Cartas a um Jovem Poeta, Rainer Maria Rilke), no seu questionamento ao aspirante a poeta: “Observe se esta
necessidade (a de escrever) tem raízes nas profundezas do seu
coração. Confesse à sua alma: ‘Morreria, se não me fosse permitido
escrever?’...” Guardadas as proporções dramáticas, a questão se coloca
comparativamente: “O que o move a educar?”; “quanto de compromisso você coloca
nesse movimento?”; “estaria fadado às amargas decepções se não lhe dessem
condições satisfatórias de alcançar esse objetivo?”; “quanto você coloca de
força e coragem para vencer as contrariedades a essa intenção de movimento?”.
O
termo “necessidade”, lá em cima, representa o desejo embutido no propósito; não basta ter
vontade, é preciso necessitar. Faz parecer que é algo fisiológico, sem o qual
não se vive tranquilamente. Então, é possível simplificar todas aquelas
questões lançadas acima: “Você deseja, ou desejou, ser educador? Sente
necessidade disso?”. Pensei até em parafrasear o Rilke.
Quer
ser Educador? Olha, meu amigo, escute antes o seu coração – muito do que você
vai fazer, é ele quem vai ditar seus movimentos. Tem certeza de que quer
contribuir para a mudança das realidades que tornaram o mundo como ele está?
Não pense que vai haver romantismo nas suas ações; tudo será um apanhado de
estratégias sérias e trabalhosas, cuidadosamente pensadas e incansavelmente
estudadas, para apoiar seus movimentos, sua prática.
Invariavelmente,
as instituições tratarão de arrumar meios para desestabilizá-lo (incluídas aí a Escola, os Alunos, a Família dos alunos, a Sociedade). É quando vai falar
mais alto o desejo, a necessidade. Quanto mais desejo houver no seu empenho,
mais energia você terá para se contrapor a elas.
É
a definição de quanto de vontade você tem embutido no seu propósito que vai
determinar o quanto de universo a ser descortinado você tem propiciado a seus
alunos. Explico melhor. Sempre me preocupei não só com a referência de o quanto
os alunos tenham aprendido de determinado ponto, mas com quanta perspectiva
eles saíam das aulas. Com quantos sonhos e de que instrumentos se valeriam para
buscarem a realização daqueles sonhos.
Pense,
também, que, justamente por isso, deve fazer parte do desejo a sua
disponibilidade em estudar, em aperfeiçoar sua formação. É preciso que você
tenha um compromisso muito grande com o seu aperfeiçoamento. Outro dia, li
alguma coisa sobre o fato de os professores não se sentirem muito bem em
estudar, porque feriria sua identidade de “ensinante”. Espero que você não
compartilhe desse ponto de vista. O aperfeiçoamento da formação intelectual e
prática do professor deve ser uma constante na relação com o compromisso. É
compromissado aquele que investe na sua formação profissional, porque quer que
o seu trabalho tenha destaque. Em tendo destaque o trabalho, sua ação será
muito mais significativa. Bom, parece fórmula pronta, mas espero que você tome
isso como reflexão para a ampliação de seu horizonte e dos seus alunos.
Quando penso em Educação, conceitualmente, como algo que se processa
balizado pela intenção de promover o desenvolvimento do ser humano, não consigo
dissociar da necessidade de estabelecermos essa ideia de desejarmos, de fato,
algo grandioso (para nós e para nossos alunos). E, sobretudo, que aprendamos a
sair do plano metafísico, abstrato, a que nos remete, erroneamente, o termo
“desejo” e orná-lo com aparatos científicos. Voltemos, assim, às perguntas já
expostas aí atrás – você deve lembrar: “o que o move a educar?” etc. -, para
que delas, e das respostas francas e objetivas que dermos a elas, façamos um
verdadeiro plano de análise, com o qual consigamos identificar, logicamente,
toda a dimensão do que deveria ser o nosso empenho em uma proposta de trabalho
pedagógico mais propositiva.
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