segunda-feira, 16 de março de 2015

A questão do compromisso / desejo do Educador

Não sei se você tem esse dado, mas sabia que é cada vez mais crescente, em Educação, a falta de envolvimento com a diversidade de fatores que se relacionam no processo pedagógico? Poucos são os que se comprometem, integralmente, com as questões amplas e elaboradas advindas dos espaços educacionais. No máximo, ministram-se as aulas, preenchem-se as rotinas burocráticas, participa-se de uma ou outra reunião de pais e está muito bom. 
Meu amigo, a questão do compromisso com a Educação é coisa séria. Quando se estabelecem princípios para nortearem a prática profissional, praticamente consolida-se um pacto de entrega para a garantia e manutenção do que se estabeleceu. Não pode ser uma prática do "mais ou menos".
Entretanto, o que se vê por aí pode ser resumido a duas atitudes: desconhece-se o estabelecimento de princípios ou até eles existem, mas com uma prática contraditória ao que se define como base de trabalho. É o samba do educador doido, com suas consequências negativas sobre a formação dos alunos.
Até reconheço que, mais uma vez, há um dado cultural relevante aqui. Vivemos a sociedade da inversão de valores. O profissional compromissado, que se esforça para analisar criticamente suas posturas, quase sempre é alvo de insinuações pejorativas. Se o sujeito não estiver convicto de suas crenças, vai se achar na contramão e tenderá a afrouxar seus princípios, para não ser excluído do círculo de amizade.
O fenômeno da inversão de valores, no campo da moral e da ética, pode até explicar muito do que a nossa vã filosofia não alcança, mas jamais pode substituir a consciência do fazer bem feito. E não há aquele que, em confronto com sua consciência, vá depois dizer que não sabia. A consciência ainda é o fiel da balança, a lhe despertar para o que é adequado ou inadequado. É claro que vamos esbarrar aqui em uma referência de subjetividade, na medida em que falar de consciência pressupõe o quanto de disposição você está propenso a investir para reformular seus propósitos. Bom, eu tenho que acreditar que há no mínimo uma vontade de escutar aquela voz que vai ressoar aí nos seus ouvidos. Se não for assim, nem vale a pena continuar. 
Pensei em Rilke (Cartas a um Jovem Poeta, Rainer Maria Rilke), no seu questionamento ao aspirante a poeta: “Observe se esta necessidade (a de escrever) tem raízes nas profundezas do seu coração. Confesse à sua alma: ‘Morreria, se não me fosse permitido escrever?’...” Guardadas as proporções dramáticas, a questão se coloca comparativamente: “O que o move a educar?”; “quanto de compromisso você coloca nesse movimento?”; “estaria fadado às amargas decepções se não lhe dessem condições satisfatórias de alcançar esse objetivo?”; “quanto você coloca de força e coragem para vencer as contrariedades a essa intenção de movimento?”.
O termo “necessidade”, lá em cima, representa o desejo embutido no propósito; não basta ter vontade, é preciso necessitar. Faz parecer que é algo fisiológico, sem o qual não se vive tranquilamente. Então, é possível simplificar todas aquelas questões lançadas acima: “Você deseja, ou desejou, ser educador? Sente necessidade disso?”. Pensei até em parafrasear o Rilke.
Quer ser Educador? Olha, meu amigo, escute antes o seu coração – muito do que você vai fazer, é ele quem vai ditar seus movimentos. Tem certeza de que quer contribuir para a mudança das realidades que tornaram o mundo como ele está? Não pense que vai haver romantismo nas suas ações; tudo será um apanhado de estratégias sérias e trabalhosas, cuidadosamente pensadas e incansavelmente estudadas, para apoiar seus movimentos, sua prática.
Invariavelmente, as instituições tratarão de arrumar meios para desestabilizá-lo (incluídas aí a Escola, os Alunos, a Família dos alunos, a Sociedade). É quando vai falar mais alto o desejo, a necessidade. Quanto mais desejo houver no seu empenho, mais energia você terá para se contrapor a elas.
É a definição de quanto de vontade você tem embutido no seu propósito que vai determinar o quanto de universo a ser descortinado você tem propiciado a seus alunos. Explico melhor. Sempre me preocupei não só com a referência de o quanto os alunos tenham aprendido de determinado ponto, mas com quanta perspectiva eles saíam das aulas. Com quantos sonhos e de que instrumentos se valeriam para buscarem a realização daqueles sonhos.
Pense, também, que, justamente por isso, deve fazer parte do desejo a sua disponibilidade em estudar, em aperfeiçoar sua formação. É preciso que você tenha um compromisso muito grande com o seu aperfeiçoamento. Outro dia, li alguma coisa sobre o fato de os professores não se sentirem muito bem em estudar, porque feriria sua identidade de “ensinante”. Espero que você não compartilhe desse ponto de vista. O aperfeiçoamento da formação intelectual e prática do professor deve ser uma constante na relação com o compromisso. É compromissado aquele que investe na sua formação profissional, porque quer que o seu trabalho tenha destaque. Em tendo destaque o trabalho, sua ação será muito mais significativa. Bom, parece fórmula pronta, mas espero que você tome isso como reflexão para a ampliação de seu horizonte e dos seus alunos.
Quando penso em Educação, conceitualmente, como algo que se processa balizado pela intenção de promover o desenvolvimento do ser humano, não consigo dissociar da necessidade de estabelecermos essa ideia de desejarmos, de fato, algo grandioso (para nós e para nossos alunos). E, sobretudo, que aprendamos a sair do plano metafísico, abstrato, a que nos remete, erroneamente, o termo “desejo” e orná-lo com aparatos científicos. Voltemos, assim, às perguntas já expostas aí atrás – você deve lembrar: “o que o move a educar?” etc. -, para que delas, e das respostas francas e objetivas que dermos a elas, façamos um verdadeiro plano de análise, com o qual consigamos identificar, logicamente, toda a dimensão do que deveria ser o nosso empenho em uma proposta de trabalho pedagógico mais propositiva.


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